terça-feira, 10 de julho de 2012

Como ler o 'Dezembro Louco 2011'

Por ser o relato de uma experiência de viagem, este blog tem um começo, meio e fim; não é daqueles que são atualizados periodicamente. Recomendo que você comece a lê-lo da primeira postagem. Vá ao painel à direita e comece sua leitura pela postagem mais antiga, prosseguindo cronologicamente.

Abraço,
Renato

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O Último Concerto

Cheguei por volta das 13h e notei que a Hauptbahnhof (a Estação Central) de Munique tinha se tornado familiar. A melhor coisa que fiz foi ter reservado um hotel para o último dia. Privacidade e um pouquinho mais de conforto vieram bem nesse fim de viagem! Outra coisa excelente foi ter achado um lugar com ótimo preço bem perto da estação de trem; dica excelente para os que planejam fazer uma loucura semelhante à minha. Deixei as malas no hotel e fui rapidamente atrás dos últimos souvenirs. No serviço de informação turística, a terrível constatação do que eu já suspeitava: Quase todas as lojas já estavam fechadas! Mas consegui achar uma aberta na própria Hauptbahnhof e achei o que queria, com um preço razoável.

Em seguida, resolvi dar um giro por Munique para me despedir da Alemanha. Peguei o metrô para a Marienplatz. Deu uma espécia de senso de unidade, completude, quando vi a Neues Rathaus de novo. A praça agora estava sem as barraquinhas da feira de Natal e as lojas estavam fechadas. A ficha de que tudo estava acabando começava a cair.

Dali fui à Lan House dos árabes, perto do albergue onde fiquei da primeira vez, e atualizei o blog até os eventos de Berlim. Depois, voltei ao hotel, e me preparei para o último concerto deste Dezembro Louco 2011.

Curioso o fato de o primeiro e o último concertos desse projeto terem sido na mesma sala de concertos: a Herkulesaal, no Residenz. Subindo as escadarias, notei novamente um enorme quadro, todo azul, com uma tonalidade forte e riscado, discretamente, por uma ou outra cor. Fiquei olhando para aquela vastidão e meditei um pouco no tamanho da bênção que foram esses dias.

O programa da noite era bem especial. Repertório barroco no que chamaram Die Grosse Silvestergala, ou A Grande Festa de Ano Novo. O grupo eu não conhecia: Capella Gabetta. E eles faziam um som bem... Gosto do termo que meu amigo Glauco usava antigamente: Bem “barrocão”: instrumentos e técnica de interpretação de época.

Primeiro, um concerto de um compositor italiano que ouvi pela primeira vez: Francesco Durante (1684 – 1755). Muito agradável a sonoridade. Em seguida, um concerto para órgão e orquestra de Handel, o número 13, “O Cuco e o Rouxinol”. Coisa linda de ouvir! Depois, para meu deleite interno, uma cantata de Bach, a BWV 51 “Jauchzet Gott in allen Landen”, ou “Louvem a Deus em Todas as Nações”. É uma cantata para soprano. A cantora, Nuria Rial, que ouvi pela primeira vez, tem um timbre belíssimo. Preciso ir atrás de gravações dela. Após a pausa, o conhecido concerto de Arcangelo Corelli, Opus 6, Número 8 “Fatto per la notte di Natale”, ou “Feito para a noite de Natal”. É muito bom ouvir ao vivo coisa que eu só ouvira em CD!

Em seguida, a peça que me levou a comprar o ingresso: a Suite em lá menor (TWV 55:a2) para flauta doce contralto, cordas e baixo contínuo, de Georg Philipp Telemann, com a flautista Dorothee Oberlinger. Eu já conhecia a obra, mas não a flautista. Eu a havia visto algumas vezes em publicidades na internet. Sabia que ela havia gravado uns dois CDs recentemente pelo selo Deutsche Harmonia Mundi, mas nunca a ouvi tocar. A primeira vez seria ali. E era o meu instrumento!

Gente, que técnica! Que musicalidade essa mulher tem! Não sei se você já teve a oportunidade de ouvir música sendo tocada de um modo que faz você ficar na pontinha da cadeira, com um sorriso no rosto motivado pela maestria da intérprete e que, de repente, te toma o fôlego. Completo entrosamente com a orquestra... Domínio total do instrumento... Puxa, como aplaudi depois da peça! Eu estava muito feliz ali!

Em seguida, a Capella Gabetta tocou o popular Canon, de Pachelbel. E, como última peça no programa, uma ária de Vivaldi, “Zeffiretti che sussurate”, que eu conhecia somente na interpretação de Cecília Bartoli e Il Giardino Armonico, no DVD “Viva Vivaldi”. Na versão que já conhecia, dois violinos dialogavam com a cantora. Aqui, ao vivo, um dos violinos estava a cargo da flautista Dorothee Oberlinger. A princípio pensei: “Será que vai ser coerente essa mudança de instrumentação?” Pois bato na boca hoje até cairem os lábios, os dois! Ficou a coisa mais linda do mundo! A soprano não deixou necessidade nenhuma de comparação com Bartoli, de tão eficiente. E Oberlinger, com sua flauta doce soprano, fazia ecos maravilhosos das notas da “ave cantora”! Não sei como descrever, gente. O primor, o esmero, a fineza, o tato, o bom gosto... Que entrosamento perfeito entre cantora e flautista! Ai, brrrrrrrr...

E o público aplaudiu tanto, que voltaram e tocaram outra ária, de bis, que não estava no programa.

Quando os aplausos cessaram, pus minha “roupa” de tiete e fui aos bastidores, com o encarte de um CD da Oberlinger, que tinha comprado em Berlim, atrás de um autógrafo. Achei que a prática que adquiri indo atrás do autógrafo de John Eliot Gardiner me deixara um pouco mais experiente. Enquanto eu esperava a turba se dissipar para ter acesso aos bastidores, juro que vi Stefan Temmingh, outro flautista famoso, na platéia. Não tive coragem de chegar perto e perguntar: “Ei! Você é...?”, mas achei muito parecido. Aliás, faria sentido ele estar ali naquele momento para prestigiar o concerto de uma colega. Além disso, depois eu soube que ele mora mesmo em Munique. E, se foi ele mesmo, creio que nos encontramos no toilete, onde segurei uma porta para ele passar, ao que ele falou, “Obrigado.” Então, ladies and gentlemen, talvez eu tenha também falado com Stefan Temmingh, de bônus... Vejam só!

Adentrei os bastidores aos poucos e me admirei de não ter sido barrado pelos funcionários da sala de concerto. Notei que umas poucas pessoas adentravam o lugar (o tal suposto Temmingh passou adiante, abrindo alas para mim). Tentei parecer invisível para que não me expulsassem, mas é uma tarefa difícil, se considerar meus 1m90cm e minha reserva adiposa. De repente, avistei Oberlinger a conversar com uma pessoa, e um casal atrás, na “fila”, esperando. Quando o casal começou a conversar com ela, posicionei-me discretamente atrás deles. Chegou minha vez e eu, besta, não sabia o que dizer. “Você tocou muito bem!” “Obrigada!” “Estudo flauta doce no Brasil.” “Ah, eu já toquei em São Paulo.” E expliquei que eu morava no nordeste, enquanto ela, gentilmente, autografava meu encarte de CD. Um doce de pessoa! Pense num concerto perfeito para terminar o Dezembro Louco 2011!


Trecho do excelente CD de Dorothee Oberlinger...
Notem o autógrafo...

Saí da Herkulesaal lentamente, curtindo o encerramento desse sonho realizado. Dei uma última olhada no tal quadro azul enorme e desci os degraus das escadarias belíssimas daquele lugar, agradecendo a Deus por todas as oportunidades que tive.

No quarto de hotel, ainda meio “hipnotizado” por tudo, meu sentimento era o de continuar agradecendo a Deus. Não havia outra coisa a fazer. À meia-noite de ano novo, ouvia os (altíssimos) fogos de artifício do lado de fora e me programava para a maratona do dia seguinte, de volta ao Brasil.


Quero agradecer a todos vocês que leram meu compartilhamento neste blog. Muito obrigado por me fazerem companhia nessa maratona de 16 concertos e tantas aventuras. Seus comentários sempre vinham para completar minha alegria neste projeto. Desejo a todos um ótimo 2012!

Meu agradecimento especialíssimo a Deus, Senhor de toda a minha vida, que me guardou do mal e me deu saúde durante todo esse tempo. A Ele, toda a glória, honra e louvor!

Abraço,

Renato