quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Deixando Munique (por um tempo)

Oi, gente.

Estou escrevendo de Praga, na Republica Tcheca. Isso quer dizer que as oracoes dos irmaos foram eficazes e que eu cheguei bem. Mas nao foi tranquilo. Eu estava absurdamente cansado no fim da terca-feira e ainda tive que lavar minhas roupas e esperar uma hora e meia ate que a maquina terminasse de secar tudo. Depois que eu empacotei mala e mochila ja eram duas da manha e eu tinha que acordar as cinco para pegar o trem as seis e catorze (atencao, e seis e catorze do tipo 6:14 em ponto). Quando entrei no trem, nao encontrei meu passaporte. Vasculhei bolsos e nada. Abri minha mala dentro do trem, e nada. Entao, encontrei num bolso do casaco, mas so depois que o trem ja tinha comecado a andar e minha alma ter saido e entrado do corpo umas duas ou tres vezes. Ufa...

Ja deu para notar que aqui em Praga o computador eh ainda mais leleh que o da Alemanha, nao deu? Alem do mais, essa lingua tem mais acentos que nosso portugues. So nao consigo achar no teclado os acentos certos para escrever. Ai, ai, ai... E eu ja tinha me acostumado... Enfim, vai ficar assim mesmo. Eh ateh uma especie de lembranca, nao eh mesmo?

Quero compartilhar com voces o dia de ontem. Adivinhem para onde eu inventei de ir pela manha? Para Dachau, que foi campo de concentracao nazista na Segunda Guerra. Bem, nao e aquele tipo de passeio que voce sai e diz - Puxa, como foi legal - Foi educativo, isso sim.


Essa entrada eu só tinha visto em filmes. É diferente quando você está lá. Uma tradução para "ARBEIT MACHT FREI" pode ser "Pelo trabalho, se ganha a liberdade."
Mas a verdade nós já sabemos...

Estava nevando bastante e o frio estava bem, bem, bem, bem... Voces entenderam. O guia ia explicando uma serie de coisas sobre o que aconteceu ali naquele tempo e eu ficava imaginando o frio que os prisioneiros deviam sentir naquele patio onde estavamos. Eu estava com frio com todo aquele casaco e roupas e roupas, mas imagine os prisioneiros, com aqueles trapos finos!

No lugar, hoje existe um memorial, com replicas das cabanas onde os prisioneiros ficavam. Restam tambem as salas onde eram feitos os registros de quem entrava. Visitei tambem camaras de gas e dois crematorios. Na decada de sessenta, fizeram tres locais de oracao. Uma capela catolica, uma protestante e um monumento judeu. Ao redor, ha esculturas e placas dando enfase na ideia de - nunca mais - e de - tudo isso tem de ser lembrado para nao ser esquecido.

 Em cada retângulo desses, onde hoje há apenas uma placa com um número, ficava uma cabana com prisioneiros. Note, distante, uma torre onde ficavam guardas prontos para atirar em quem tentasse fugir.

Aqui, um vídeo que fiz na mesma área...

Cheguei em Munique por volta das 15h e escrevi o post passado. Depois, fui a um concerto que eu nao tinha programado. Um concerto de orgao em uma igreja enorme no centro de Munique. O horario do concerto nao ia chocar com o da 9a Sinfonia de Beethoven, entao resolvi ir. Nao sei muito bem se vou conseguir descrever o som. Voces sabiam que o orgao eh chamado de - O Rei dos Instrumentos? Pois ontem tive a oportunidade de entender bem o porque.

Entrei na igreja exatamente na hora em que o concerto comecou. Ninguem ve o organista, pois ele esta escondido la em cima na galeria do orgao. Todos se sentam nos bancos, de costas para o orgao, e a acustica eh um negocio impressionante. O orgao faz sons que eu nem sabia que fazia. O repertorio foi todo de musicas que eu nao conhecia. Tudo seculo 19 e 20 e tive a impressao que os compositores eram franceses. As obras eram natalinas. Reconheci melodias de hinos tradicionais embutidas no meio dos arranjos. Quando o organista fazia sons  suaves, minha alma as vezes se elevava em oracao, como que puxada por anjos. Quando ele usava sons graves, com aqueles tubos enormes, a coisa que me vinha a mente era a gloria de Deus. Toda a igreja tremia com os fortissimos graves e, pondo a mao no banco, notava que ele tremia um pouco. Eh uma experiencia muito especial!

Um pequeno video que fiz na Frauenkirche dias antes do tal concerto. Notem o orgao, majestoso, no centro da galeria superior. Percebam os tubos gigantescos nas extremidades. Isso faz um sonzao!

Sai da igreja e fui para a Gasteig de novo para o concerto. No programa, a 1a e a 9a Sinfonias de Beethoven. A orquestra era a Sinfonica de Londres, convidada, bem como o coral The Monteverdi Choir. Na regencia, John Eliot Gardiner.

Para voces, o nome desse cara deve ser apenas mais um nome de um maestro ingles que o Renato aprecia, mas para quem conhece o trabalho dele, sabe o peso que esse cara tem. Alias, esse concerto com esse maestro e com esse coral tambem determinou minha vinda por Munique. Ele eh o mesmo regente nos links que disponibilizei no outro post. Quem quiser dar uma conferida, clica aqui.

Perfeicao... Tudo perfeito... Flawless... A primeira sinfonia ficou muito charmosa. A nona ficou magnifica! Conseguiram tirar da partitura coisas que eu nem tinha percebido antes. E eh que ja faz um tempinho que escuto a nona, em diversas interpretacoes... E o coral... Gente, o que e aquilo? Havia uns 36 coristas, que contei. O som que eles fizeram... Coisa de louco! (Olha ai a loucura de novo...) Tem uma coisa de especial com esse grupo. Gardiner deve bater neles, de chicote, so pode... Estavam magnificos... A plateia aplaudiu muito esse povo todo. Nao deixem de dar uma olhada no link acima para ouvi-los em acao. Clique aqui se voce quiser ler um pequeno paragrafo sobre eles em portugues e clique aqui para dar uma olhada no site deles.

E nao eh que este que vos fala foi dar uma de tiete... Fui atras do homem para pedir um autografo. Em 1998, fiz isso com um famosissimo maestro, mesmo quilate, e o homem (Nikolaus Harnoncourt) recebeu a mim e a meu amigo Glauco com tranquilidade e, pasmem, humildade. Nao tinha a minima ideia nem se eu ia conseguir falar com o Gardiner, nem se ele ia colocar os cachorros (pastores alemaes?) pra cima de mim. Bem, sei que estou me revelando aqui um pouco como uma adolescentezinha fa de um astro de rock, mas tento agora aliviar essa carga negativa compartilhando com voces que eu estava disposto a nao esperar tanto tanto tanto... Pois bem, peguei meu casaco e fiquei dentro do predio alguns minutos, mas nao descobri acesso ao camarim, como em 1998 em Berlim. Sai do predio e vi um caminhao com o logotipo LSO, da Sinfonica de Londres e notei que um ou dois musicos sairam por uma porta. Depois de uns dez ou quinze minutos, estava ali, na minha frente, Sir (sim, o cara e "assim" com a Rainha)... Sir John Eliot Gardiner, sua esposa Isabella, e talvez o motorista.

Aih o besta aqui se tremeu todinho - Sir John, sinto muito lhe incomodar. Pode me dar um autografo ? - Ele replicou - Tem que ser rapido, porque eu nao quero ficar com frio. - E foi que notei que eu estava do lado de fora e ele, com a idade que tem, devia estar bem mais preocupado que eu em evitar resfriados. Dei-lhe o encarte de um DVD meu e ele tentou escrever, com minha caneta, que, Lei de Murphy funcionando, falhou um pouco. Enquanto isso, tentei resumir em dez ou quinze segundos a historia de minha viagem. Meu ingles nessa hora foi para o beleleu... Vou comecar do B1 semestre que vem, viu, Borges... Pense... E o coitado estava mesmo preocupado com o frio. Sua esposa parece que estava me ouvindo enquanto o John (Vou chama-lo assim, agora que sou intimo, nao e?) tentava assinar o papel. Ele me entregou, fez um gesto com os olhos que demonstrou um misto entre - quero dar atencao - e -quero sair daqui - entregou-me o papel, deu um sorriso e se foi. Isabella me abriu um sorriso mais warm e foram-se apos eu desejar-lhes tudo de bom. Uau, isso e que e Dezembro Louco 2011...

Encarte do meu DVD do Oratorio de Natal regido pelo Gardiner.
No circulo, o autografo dele, de cabeca para baixo...
(Clique para ver o detalhe do autografo.)

(Adicionado Posteriormente) - Quase me esquecia de mencionar algo singular no "submundo" de Munique. Após o primeiro concerto, o Messias, de Handel, ao sair da Herkulessaal, fui tomado de surpresa pelo familiar som de Bach. Era uma peça para órgão, mas não havia órgão nenhum no meio da rua. Eles costumam ficar bem comportados dentro das igrejas. Mas ali, na saída da sala de concertos, um som me surpreendeu! Seria algum discípulo de Luiz Gonzaga tocando Bach em plena noite de Munique? Achei a hipótese meio improvável. Muito bem tocada a peça difícil e também muito bem transposta para aquele instrumento, que, fiquei sabendo depois, era um Bayan, parente russo do acordeon. Me deu uma pena foi perceber que, na frente do homem, tinha um lugar para se pôr moedas. Pensei "Como pode um músico com este talento ficar na noite fria se submetendo a algo assim?" Acho que deixei algumas moedas e fiquei um ou dois minutos antes de partir. Dois dias depois, numa manhã gelada, ao procurar onde ficava a próxima sala de concertos, o mesmo músico, instalado agora no metrô, continuava a trabalhar. Desta vez, fiquei ainda mais impressionado e dei os 10 euros no CD dele. Fingi que ia embora e parei a uma distância em que ele não me via, continuando a ouvi-lo escondido, deleitando-me no Bach que me impressiona ainda hoje, quando ouço seu CD. Se não me engano, vi-o ainda uma terceira vez, ao fim de outro concerto. Foi quando entendi sua estratégia de trabalho noturno. Seu nome é Dmitry Menshikov. Deve ser russo ou descendente e abaixo compartilho um trechinho de seu trabalho.

Trecho de uma fuga em sol menor, da obra de J. S. Bach, 
interpretada por Dmitry Menshikov, no Bayan...

Como ja falei, cheguei em Praga muuuuito cansado. Foi tanto que, apesar do esforco que fiz para chegar cedo cedo e aproveitar a tarde, capotei e perdi um dia de turismo. Hoje a noite sai para jantar e para por o blog em dia. O Germano me perguntou como estava minha convivencia com os Germanos. Acho que os alemaes sao muito solicitos, em sua maioria. Tive muita ajuda deles em todo o lugar. Isso nao aconteceu aqui em Praga ate agora. Para falar a verdade, varios que encontrei aqui sao ate meio antipaticos e poucos falam ingles, tornando as coisas, digamos, mais desafiadoras. Alias, a lingua deles e um negocio que nao da para entender quase nada. Eu nao sei Alemao, mas muita coisa do ingles me ajuda a deduzir. Em Tcheco, nada disso... Mas ha os que estao dispostos a ajudar. E alem do mais, tenho Deus me protegendo e me guiando, o que me deixa tranquilo.

 Aqui, um raríssimo exemplo em que essa lingua louca nao deu problema... A imagem tambem ajudou. Eh soh ler 'pezim' (pezinho) e 'zóna' eh zona... Zona de pedestres; aqui nao passa carro! Viu minha fluencia em tcheco!

Aqui em Praga programei tres concertos. O objetivo era conhecer tres das mais importantes salas de concertos daqui. Amanha tem o bale Quebra Nozes no Teatro Nacional a tarde e o Concerto para Piano e Orquestra 5 - Imperador - de Beethoven, na sala Dvorak. Depois de amanha tem um concerto na sala Smetana.

Vamos combinar assim: Prometo que quando voltar para a Alemanha, nao so atualizo os compartilhamentos, como coloco fotos neste post. Sendo assim, nos encontramos, provavelmente, no dia 24, vespara de Natal, em Leipzig, cidade onde Bach morreu.

Abraco a todos e continuem escrevendo seus comentarios.

Abraco,
Renato

P.S.: Bato na boca. E com gosto... Realmente, minha primeira impressao dos Tchecos nao foi das melhores. Ate a mulher no guiche de informacoes de Praga foi meio Seu Lunga, isso sem falar numa mal educada vendedora em uma loja. Mas foi so fechar essa postagem, que encontrei duas pessoas que foram bem simpaticas. Uma era a propria recepcionista da biblioteca-restaurante-cybercafe, que bateu um papo legal comigo. A senhora morou quase a vida toda em Nova York, mas eh daqui. O outro, eu precisava escrever swobre ele para aliviar meu julgamento dos Tchecos. Um rapaz, um pouco mais jovem que eu, na parada de bondes saiu da parada dele para ir ate outra proxima SOMENTE para me dar informacoes mais precisas. Quando pensei que ele tinha dito tudo, nao eh que o cara foi me ensinar a ler o sistema de informacoes sobre os bondes, que eh meio complicadinho. Falava devagar, num ingles que, segundo ele, era pouco. Deu-me todos os detalhes, repetiu tudo com muita calma, uma ou duas vezes. Quando ele disse - Vou levar voce ate sua parada - eu disse que nao queria incomodar. Ele falou - Voce nao me incomoda, pois eu ja passei por isso quando eu estava em outro pais e sei como e dificil. Muito gentil mesmo o rapaz... Pois bem, com essa, os Tchecos limparam a barra. Espero que mais desses aparecam.



5 comentários:

  1. Fantástico, Renato.

    Até como narrador você é virtuosíssimo! :)
    Vc nos faz visualizar o que descreve. Nos sentimos aí com vc. Espero que a recíproca seja verdadeira.

    Estou ansioso por fotos e vídeos.

    Continue aproveitando e não se envergonhe. Todos temos o nosso momento tiete.

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  2. Com relação ao seu PS: nos traga um manual tcheco de boas maneiras. Incrível como as percepções podem ser relativas. E que bom que logo vc mudou a impressão sobre eles.

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  3. Achei engraçado ter um Seu Lunga, versão tcheca e feminina. Sempre tem também a versão de um bom samaritano. Um grande abraço!

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  4. O que eu aprendi é...generalizações são perigosas demais e gente é gente em todo canto: Sempre teremos o chato, o agradável, o solícito, o ignorante e etc...Gente é gente...em todo canto desse mundo!

    Confirmo o que o Germano disse, viu Renato...descrição show!

    bjos,

    Karine.

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  5. Finalmente entrei no seu blog Renato! :D
    -L.W
    PS: ainda quero ver o video do gilette(?)

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