quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

O Meu Natal

Arre! É, é isso mesmo... Puxa, como foi difícil encontrar acesso à internet com USB EM BERLIM! (Se fosse ao menos em Quixeré, mas em Berlim!) No albergue e na estação de trem apenas acessa-se a rede, mas não posso alimentar o blog com fotos e vídeos. Felizmente, uns caras dentro de uma praça de alimentação na estação de trem perto do albergue me indicaram um local e aqui estou! Bem, como prometi, vou agora contar o capítulo Leipzig desse Dezembro Louco 2011.

Leipzig entrou no projeto como uma fase importantíssima da viagem! Foi a última cidade em que Bach viveu. Ele trabalhou na Igreja de São Tomás (Thomaskirche) de 1723 a 1750, quando morreu. O posto dele era o de Thomaskantor. Em poucas palavras, ele era o encarregado pela música da igreja. Dentre as suas várias responsabilidades, estava a de trabalhar com o coral de garotos, o Thomanerchor. Em 2012, o conjunto Thomaskirche, Thomanerchor e Thomaschule (a escola) completa nada menos que 800 anos. Obviamente, nenhum leitor desse blog pensou que os meninos do Thomanerchor de hoje são os mesmos de 1212, mas é impressionante estar em contato com uma "instituição" tão antiga e que persiste ainda até hoje.

Uma foto recente dos "meninos"... 
(Permitam-me a intimidade, agora que os ouvi ao vivo.)
Não vou postar a minha foto, pois saiu muito borrada.

Pois bem, cheguei de Praga e deixei minha bagagem no albergue em Leipzig. Fui para a Thomaskirche pegar a fila para um evento chamado Motette, ou Moteto. Só que este seria muito especial, no dia 24 de dezembro, o Weihnachtsmotette, ou Moteto de Natal. Até então, havia caído pingos de chuva inofensivos em outras cidades, que não me atrapalharam, mas nesta véspara de Natal, eu tinha de estar na fila pelo menos uma hora antes do evento para poder conseguir um lugar bom e estava chovendo um pouco mais grosso. Pensei comigo: "Puxa, não gripei até agora. Será que vai ser desse vez?" O site da Thomaskirche dizia que as portas seriam abertas 45 minutos antes do evento e eu via a fila começando a se alongar e a água caindo. Isso sem falar do frio! Não entrei logo na fila; fiquei do outro lado da rua, onde perguntei a um simpático senhor alemão de meia idade se ali era ali mesmo. Depois de confirmar que eu estava no lugar certo na hora certa, Heinrich e eu começamos a conversar sobre música. Quando ele disse que morava em Hamburgo, eu logo falei: "...onde nasceu Johannes Brahms". Ele ficou impressionado com o que eu sabia de alguns assuntos relacionados à música alemã.

De repente, a fila começou a se mover e Heinrich, pasmem, me ofereceu seu guarda-chuva! Ele tinha me dito que seria impossível comprar um, pois as lojas estariam fechadas nos próximos dias. (Lá, o feriado natalino vai até o dia 26) "Minha esposa está na fila e ela tem outro." Eu discretamente tentei confirmar se aquilo estava acontecendo: "A gente se encontra lá dentro e eu lhe devolvo." "Não. Fique com ele. Você vai precisar. Além disso, é Natal!"

Para mim, esse pequeno gesto foi muito significativo. Obviamente, agradeci ao homem, mas fiquei tão agradecido a Deus por isso! Deus sabia que eu iria precisar de um guarda-chuva e providenciou um mesmo com as lojas todas fechadas, vejam só! E eu precisei mesmo nos outros dias. Leipzig estava bem chuvosa no Natal.

Os "meninos" iriam cantar durante o culto, e seriam acompanhados pelo organista da igreja, Ullrich Böhme. Quem iria regê-los seria o Thomaskantor atual, Georg Christoph Biller, o cara que tem o cargo de Bach hoje. Eu já conhecia todo esse pessoal por DVDs, mas, gente, quando eu vi o Böhme pra lá e pra cá, dando os últimos ajustes antes do evento, quando o Biller passou, assim, no corredor, na minha frente, e, principalmente, quando os meninos cantaram, eu pensei "Pois não é que esse pessoal existe mesmo, de verdade!"

Como era de se prever, a igreja estava lotada. Era interessante: A maioria dos bancos ficavam de costas para a galeria oeste do coral, abaixo de um dos órgãos da igreja, o Sauer-Organ, construido em 1889 e recentemente reformado em 2005. Outros ficavam uns de frente para os outros, na região do púlpito. Imagino que isso demonstre uma preocupação com o foco certo na igreja: a pregação. Fiquei em uma parte da igreja que, depois fiquei sabendo, era designada para o coral em eventos mais cotidianos, na parte leste do prédio. Sentei-me no chão, em degraus. Estava muito cansado e o lugar não tinha conforto, mas eu ficava em direção oposta à dos músicos, o que foi bom para minha visualização. Além disso, como se todo o evento não fosse suficiente para me manter acordado, ali, diante de mim, no chão, vi que estava o túmulo de Johann Sebastian Bach. Quando percebi, fiquei meio assim...

Isso foi o que consegui gravar do Thomanerchor, no Weihnachtsmotette.
Notem também a linda arquitetura da igreja.

Então, como vocês puderam ver no vídeo, assisti aos "meninos" cantarem, de um lugar bem especial. Acho que posso dizer que, em vários aspectos, nunca me senti tão perto de Bach. Que momento especial aquele foi para mim!

Leipzig estava uma verdadeira cidade fantasma. Todos deviam estar em casa com suas famílias para a noite de Natal. Voltei para o albergue, tomei um bom banho quente e jantei uma lasanha de salmão, com suco de maçã e um cookie gigante de chocolate. Essa foi minha ceia de Natal. Peguei o telefone pela primeira vez na viagem e liguei para minha mãe. Também liguei para agradecer ao Prof. Elder, meu colega no IBEU-CE, que escrevera uma mensagem para eu ler somente na noite de Natal. Depois, capotei na cama após conversar um pouco com meu companheiro de quarto alemão.

No outro dia, 25 de dezembro, mais Bach! Acordei bem cedo porque queria assistir ao culto de Natal matutino na Thomaskirche, que conteria uma apresentação da primeira cantata do Oratório de Natal, de Bach (que assisti na íntegra em Munique, lembram?). Logo que cheguei, um simpático senhor da igreja (talvez um diácono) me deu a sugestão de assistir lá de cima mesmo, para ter uma visão legal. Não poderia ter sentado em um lugar melhor. Fiquei na lateral esquerda de quem está de frente para a galeria do coral, oeste, onde também ficava a orquestra. Bastava eu torcer meu percoço um pouco para a esquerda e eu os veria bem. Atrás de mim, a "Janela Bach", onde há um vitral colorido com o rosto de Bach. Na minha frente, o novo Órgão Bach, onde o organista da Thomaskirche tocou durante o culto. À minha esquerda, dava para ver o Thomanerchor, o outro órgão (Sauer), o regente e a Orquestra Gewandhaus de Leipzig.

Vocês precisavam ver. O culto começa com um toque de sino. Todos ficam de pé. O órgão começa a tocar e os "meninos" passam pela congregação, em procissão até o local do coro, área leste, onde param e começam a cantar. Como eu diria no Ceará, "Me arrupiei todinho!". Aliás, me tremi várias vezes e quase as lágrimas rolam. Isso porque eu já tenho um bom arquivo de palavras soltas em alemão, o que, acho que milagrosamente, me permitiu acompanhar o culto, entendendo boa parte da mensagem nos hinos, nos comentários entre um e outro cântico, e até na pregação, pois o pastor falava bem devagar. Ajudou-me muito um livrinho que recebi com a ordem detalhada do culto, incluindo partituras de hinos, responsoriais, passagens bíblicas, etc.

Os meninos então dão a volta e se reposicionam junto com a orquestra. O pastor dá seguimento ao culto. Meditamos no nascimento de Cristo. A cantata do Oratório de Natal de Bach tinha tudo a ver. Preciso postá-la na íntegra no meu outro blog! Apesar de ter sido excelente a apresentação em Munique, aqui na Thomaskirche era algo especial. Isso sem falar que o timbre dos meninos dá um toque especial em comparação com um coral de adultos. Abaixo posto um trechinho da obra, de um CD que comprei por lá. A gravação é de 2009, então acho que vários dos meninos na gravação devem ter sido os mesmos que ouvi. A orquestra e o regente são os mesmos. 

Aqui você tem uma idéia do que eu ouvi naquele dia!

Foi também muito bom acompanhar o culto todo. Havia hinos antiquíssimos! No final, fiquei mais um tempo na igreja e filmei um pouco o Ullrich Böhme tocando no Sauer-Organ. Depois tive que parar de usar a câmera, pois uma senhora me mostrou que havia um culto acontecendo. Eu não havia percebido porque quase todos tinham saído da igreja. Talvez tenha sido um batizado; não tenho certeza.

Ullrich Böhme tocando o órgão central da Thomaskirche...

Depois dei mais uma volta na cidade. Visitei uma outra igreja onde Bach também ajudava, a Nikolaikirche. Menor que a Thomaskirche e com um estilo bem diferente.

Eu já tinha visto isso antes e, quando estive na Finlândia, em 2008, me explicaram que esses números são os números dos hinos que serão cantados no culto. Aqui, prepara-se o próximo culto na Nikolaikirche.

Menção a Bach na Nikolaikirche, logo na entrada...

Mais tarde haveria dois concertos para eu ir. Às 17h fui a um concerto na sala pequena da Gewandhaus, chamada de "Sala Mendelssohn". Ouvi a Sinfonia No. 29 e o Concerto para Piano e Orquestra KV 414, de Mozart. Houve também "Souvenir de Florença", de Tchaikovsky. Às 19h30, na sala principal, uma orquestra sinfônica e um enorme coro entoaram o "Oratório Bizantino", de um compositor chamado Paul Constantinescu, da Romênia, que viveu no século XX. Muito bonito, apesar de eu ter dificuldade de gostar de música mais moderna. Cantaram em alemão e eu pude reconhecer que era o texto bíblico sobre o nascimento de Cristo, pois a letra era, muitas vezes, semelhante à do Oratório de Natal, de Bach. Na segunda parte do programa, obras natalinas de várias partes do mundo. Destaque para a lindíssima "O Magnum Mysterium", de Morten Lauridsen, compositor que eu não conhecia. Essa música é linda de morrer. Procurem no YouTube, que eu fiquei com os cabelos da alma em pé com o coral a capella! Outro destaque ficou com um outro compositor que transformou "Santa Claus is coming to Town" em uma fuga ao estilo de Bach. Pode? Me convenceu!

Gewandhaus Leipzig vista de fora. Notem como o tempo estava chuvoso.

Uma foto (Google) da Grande Sala para vocês terem uma noção de como é dentro.

No dia 26 de dezembro, ainda feriado (o segundo dia de Natal alemão), fui à Thomaskirche uma terceira vez para ver a segunda cantata do Oratório de Natal, de Bach. Não vi o resto do culto. Fui ao Museu Bach, uma experiência interessantíssima para os aficcionados. No museu, há uma série de curiosidades e também você pode sentar numa sala com uma touchscreen e fones de ouvido para ouvir gravações. Na saída, você pode passar na lojinha e comprar souvenirs. Então, se ano que vem alguém me ver com uma gravata cheia de notas musicais em uma partitura com a caligrafia de Bach, não estranhe, por favor.

À tarde, visitei a Casa de Mendelssohn. Felix Mendelssohn-Bartholdy também morou em Leipzig. Ele, como Bach, tem um vitral com sua face na Thomaskirche (Lutero também tem seu vitral.). Foi muito legal dar um passeio na casa deste compositor tão criativo! (Para ouvir parte de uma Sinfonia de Mendelssohn em meu outro blog, clique aqui.)

Estátua de Menselssohn, próximo à Thomaskirche

Mendelssohn-Haus, em Leipzig

Mendelssohn foi o responsável por "reavivar" Bach após sua morte, em 1750. Em 1829, Mendelssohn regeu a Paixão Segundo Mateus, em Berlim. Abaixo uma seqüência de fotos que tirei no museu de Mendelssohn, com um detalhe interessante.

Era em um escritório como esse que Mendelssohn trabalhava.
Consegue perceber o detalhe?

E agora, se eu ampliar?

Ali, no local em que Mendelssohnn dava forma à sua criatividade, a "presença" de Bach.

À noite, os dois últimos concertos em Leipzig, na Grande Sala da Gewandhaus. Às 17h, um concerto de órgão solo, com o órgão da sala de concertos. Espetacular! Às 20h, um concerto especial de coral a capella: o Don Kosaken, o coro do Exército Vermelho, da antiga União Soviética. A sonoridade era impressionante. Consegui identificar desde baixo profundo (aquele vozeirão ultra, ultra baixo) até um soprano... E todos homens! Você pode ver a foto deles que tirei, abaixo, mas clique aqui para ir ao YouTube e ouvir um pouco do som deles.

Concerto de órgão. Vocês não imaginam os diversos tipos de som que saem daí!

Don Kosaken Chor

E assim termina meu Natal em Leipzig. Na outra manhã, vi que existem mesmo habitantes naquela cidade. As lojas abriram e o povo foi às ruas. Peguei o trem para Berlim no fim da tarde, mas esse é o próximo capítulo.

Weihnachten 2011 - Leipzig

Abraço,
Renato

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